Parte II

Sabemos que estas adaptações de obras de quadrinhos para cinema são direcionadas para um público muito maior de pessoas, que não necessariamente leem quadrinhos, e que na maioria das vezes não conhecem estes personagens e os elementos gráficos e narrativos que definem as histórias em quadrinhos como linguagem.

Sabemos também que existem aqueles que, ao adaptarem estes materiais, argumentam que estes elementos de narrativa dificultam uma aceitação do público geral à obra, porque eles impedem que este público acredite no que está vendo na tela. O público geral precisa ter uma ligação direta entre o que vivencia na realidade e o que está sendo proposto na obra: a tal verossimilhança.

Explicando: se a proposta é fantasiosa demais, o público não tem a capacidade de abstração necessária para aceitar esta obra como séria e não consegue estabelecer uma relação de verossimilhança com ela. Estes elementos gráficos e narrativos típicos das HQs tornaram-se, então, um fator que distancia o público porque foi interpretado por ele como algo que cria uma fantasia desnecessária e exagerada, e até infantiliza a tal obra.

E aqui entra, de novo, nossa palavra-chave: Realismo.

Este tipo de dificuldade de aceitação se estende também a alguns personagens cujos conceitos são mais complexos em termos de fantasia, o Superman, por exemplo. Seus superpoderes sempre geraram comentários do tipo “Essa não… O cara voa!!! Ninguém voa!!!” ou “O cara solta raio dos olhos!!!”.

Os X-Men também sofreram uma sutil adaptação, muito bem equacionada entre o gênero super-herói e um tratamento mais ficção científica em suas adaptações cinematográficas. Estratégia que agradou tanto o público de quadrinhos, que gostou da decisão justamente para facilitar a aceitação de um público maior ao material quanto o público geral, que teria dificuldades em aceitar um tratamento mais próximo do original, menos “realista”. Já o cavaleiro das trevas é, geralmente, melhor aceito: “Gosto mais do Batman porque ele não tem superpoderes”.

O personagem é tido como mais realista por “não ter elementos tão fantasiosos quanto os outros super-heróis” em seu conceito básico. Ainda assim, o homem morcego tem sido alvo de tratamentos cada vez mais realistas… não só no cinema.

Esta tendência de tornar os super-heróis cada vez mais realistas, por exemplo, não vem exatamente dos cinemas… vem dos próprios quadrinhos. O tal Batman mais dark vem com os trabalhos do roteirista Danny O´neil e do desenhista Neil Adams (década de 1970), e não exatamente com The Dark Knight Returns, de Frank Miller (década de 1980).

Mais engraçado é que, para mim, a obra de Miller é um material altamente bem-humorado e com muitas referências a quadrinhos mais alternativos, com um alto senso estético pop, digno de algo punk, rock&roll… É um Batman da Heavy Metal (a revista), e não uma obra séria, realista, como a maioria vê.

Exatamente por isso, este material chamou a atenção de pessoas ligadas a essas referências que citei, e catapultou Frank Miller a um status de artista pop, extrapolando os limites de uma base de fãs fixada apenas entre os iniciados em quadrinhos de super-heróis.

A partir daí tivemos as outras obras de Miller e de Alan Moore (com Martha Washington, Ronin, Elektra Assassina, A Queda de Murdock, Batman – ano UM, Piada Mortal, Watchmen, V de Vingança, Miracle Man e outros) seguindo esta levada “realista” para o gênero.

Um dos materiais mais odiados pelos fãs do homem morcego é a série de TV da Fox (década de 1960). É interessante notar que esta série é um dos maiores responsáveis por tornar este personagem um ícone pop durante tantos anos. Ainda assim, estes fãs agradecem a Deus porque o novo Batman, de Christopher Nolan, está finalmente livrando o personagem daquela imagem “ridícula” da série. É interessante notar que o Batman que víamos nos quadrinhos na época em que a série foi realizada não era muito diferente do adaptado para a TV.

Este realismo buscado também pelos artistas de quadrinhos, no gênero de super-heróis, justificou alguns fãs dizerem frases como “o Batman não é assim… Ele é mais dark!”. Que Batman? De que época? Sabemos que quando o homem morcego foi criado, ele era mais misterioso, mais sombrio, e sabemos que a “infantilização” das histórias deste personagem (simbolizada pela criação do sidekick Robin) veio por conta da tal caça às bruxas dirigida pelo senhor Frederic Wertham. Mas, mesmo no começo, Batman era um gibi feito para um público infantil e infanto-juvenil. Não era tão adulto e realista assim…

Resumindo a ópera, a própria linguagem dos quadrinhos e mesmo os conceitos dos personagens criados nesta mesma mídia parecem ser fatores que dificultam a obtenção da verossimilhança (tornar mais realista, menos infantil… logo, mais adulto) exigida pelo público geral nas adaptações de quadrinhos, verossimilhança esta que, se não existir, impede o público geral de aceitar, criar empatia e entender este gênero e sua própria linguagem estética.

A solução, é claro, é aproximar da realidade a linguagem e os conceitos de personagens e universos criados nos quadrinhos de super-heróis. Discurso que acaba sugerindo que a linguagem dos quadrinhos é algo não adulto, infantil, não crível… A lógica é mais ou menos esta?


Fim da parte II

Leia também: Parte I, Parte III, Parte IV, Parte V, Parte VI (final)